O que a baiana é: parda, trintona, chefe de família e mais instruída do que o homem

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Me acho muito guerreira”, diz, sem se fazer de rogada, a operadora de caixa Fabiana Queiroz, 34 anos. Com a certeza de quem conhece a própria história, essa mãe recém-saída da licença-maternidade sabe que passou por muita coisa. Sabe que, como ela, muitas mulheres precisam enfrentar rotinas de trabalho triplas – seja no trabalho na rua, nos afazeres da casa e ainda na rotina com os filhos.

Aos 16 anos, Fabiana teve o primeiro filho – Henrique, hoje com 18. Aos 34, deu à luz o pequeno Breno, atualmente com cinco meses. Já trabalhou como vendedora, auxiliar de processamento, de documentação e auxiliar de lanchonete até se tornar operadora de caixa em uma loja em um shopping da cidade, onde trabalha há quatro anos.

Fabiana é como outras tantas baianas guerreiras. As mulheres são mais da metade da população do estado – representam 51,6% do total, ou 7,9 milhões em um universo de 15,3 milhões. Se a mulher baiana pudesse ser representada pela maioria, seria uma mulher parda (como se declaram seis entre cada 10), com idades entre 30 e 39 anos (16,9% da população feminina) e responsáveis pela casa, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Uma em cada três mulheres baianas é a chefe da família – ou seja, 2,3 milhões.

São mulheres que, inclusive, estudam mais do que os homens. Em 2017, na Bahia, o número de mulheres com 25 anos ou mais que tinham nível superior incompleto ou completo chegava a 747 mil (15% do total de baianas nessa faixa etária). Na contramão, os homens com esse nível de instrução não chegavam a 500 mil – eram 433 mil (9,9% dos baianos nessa faixa de idade). Além disso, em média, as baianas com pelo menos 25 anos estudaram quase um ano a mais que os homens com a mesma idade – 8,2 anos contra 7,3 anos.

Serviços
Essa mulher baiana está em todos os lugares. É sua tia, aquela prima distante, sua vizinha. Aquela moça que trabalha na portaria do prédio do escritório. Pode ser até que ela esteja lendo este texto agora. É a própria Fabiana, a operadora de caixa.

Quando engravidou pela primeira vez, Fabiana achou que tinha dado um desgosto aos pais. “Era adolescente, né? Tinha aquela cabeça”, lembra. Disse à mãe que lhe daria orgulho no futuro. Há quatro anos, quando começou a trabalhar na loja de roupas masculinas onde está hoje, as coisas começaram a mudar.

“Tudo que tenho hoje veio do meu trabalho. Consegui fazer minha festa de casamento há dois anos e comprei minha casa, tudo com base no meu salário”, conta.

Em casa, não há dinheiro ‘dela’ ou ‘do marido’. Tudo é dividido a partir do rendimento dos dois. Ele, que é vigilante, tem outras três filhas. O filho mais velho de Fabiana, Henrique, mora com os avós. Não quer deixar os dois, que já têm quase 80 anos.

Mesmo assim, todos moram no mesmo bairro – o Engenho Velho da Federação. Só que, ainda com tudo compartilhado, é Fabiana quem segura as pontas na hora do aperto. “A mulher sempre tem o hábito de guardar um pouco. Isso já acaba sendo o dinheiro do pão de todo dia, do leite que faltar para a criança. O homem é mais desligado, enquanto a mulher é o caixa 2”, brinca.

Agora, o objetivo é comprar um carro. Fabiana diz que se encontrou nas vendas. Perdeu até a timidez. “No início era difícil. Hoje, é disso que eu gosto. De lidar com gente”.

A maioria das mulheres baianas, de fato, está no setor de serviços. Só na Região Metropolitana de Salvador (RMS), dois terços delas trabalhavam nessa área no ano passado, de acordo com a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) na região, desenvolvida pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI).

Em todo o ano de 2018, houve um aumento do desemprego entre as mulheres – 32 mil não encontraram trabalho. “No ano passado, as mulheres pressionaram muito o mercado de trabalho. Ou seja, 42 mil mulheres foram ao mercado de trabalho em busca de ocupação. Porém, só foram geradas 10 mil vagas”, explica a coordenadora da PED, Ana Simões.

Mesmo assim, a ocupação feminina cresceu entre 2017 e 2018 – passou de 684 mil mulheres ocupadas na RMS para 694 mil.

“A ocupação aumentou mais para mulheres na faixa dos 50 a 59 anos, não-negras e para mulheres nas faixas de extrema escolaridade, sem o fundamental completo, e para aquelas com ensino superior. O principal aumento foi no setor de serviços, que tem dois segmentos em que as mulheres têm maior facilidade de inserção: educação e saúde”, analisa.

Saindo do aluguel
Do outro lado da cidade, em Pernambués, a diarista Sirlete Santos, 39, enfrenta suas próprias batalhas. Mãe de quatro meninas (a mais velha com 22 anos; a caçula com 9), ela se separou há dois anos. No entanto, antes mesmo disso acontecer, já era a responsável pelas contas da casa.

“Há muito tempo eu dou conta, desde que meu ex-marido ficou desempregado. Trabalho todos os dias, de segunda a sábado, em vários lugares”, diz ela, que chega a acordar às 3h da manhã, às segundas-feiras. É o dia em que prepara o almoço para a filha mais velha levar para o trabalho, em uma escola particular na Avenida Paralela.

No resto da semana, peregrina entre Armação, Alphaville e Pituba – cada dia em uma casa diferente. Folga mesmo só aos domingos. São os dias em que tira para cuidar da própria casa, organizar coisas pessoas e ir à missa, já que é coordenadora de uma pastoral na comunidade onde mora.

Como tem lúpus, não são todos os dias em que está 100%. Às vezes, quando a doença ataca, explica, o cansaço bate.

Sirlete é responsável pelas quatro filhas (Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO)

“Mas eu fico só um pouco cansada, porque gosto do que eu faço. Sei que sou como a maioria das mulheres baianas, porque tenho várias amigas assim como eu. São mães, são pais, cuidam da casa”, diz

Agora, a maior vontade é sair do aluguel. Com a casa própria, ela calcula que conseguiria diminuir um pouco o ritmo e a rotina de trabalho. “Eu conseguiria passear um pouco, curtir um pouco mais as minhas filhas”, diz.

Mulheres soteropolitanas também são trintonas, pardas e chefes de família
Em Salvador, as mulheres representam um percentual maior da população do que no restante da Bahia, onde elas são 51,6% do total. Na capital baiana, há 1,6 milhão de mulheres, num total de 2,9 milhões de soteropolitanos – ou seja, correspondem a 54% da população, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Assim como entre as baianas, a maior parte das mulheres soteropolitanas é negra: 44,7% (713 mil) se declaravam pardas, enquanto mais de uma em cada três (35,7% ou 569 mil) se consideravam pretas. Para o IBGE, são considerados negros aqueles que se declaram pretos ou pardos. Em toda a cidade, em comparação, 18,5% das mulheres se declararam brancas.

O perfil da soteropolitana tem idade parecida com a baiana: a maior fatia da população feminina na capital tem entre 30 e 39 anos (18,2% ou 289 mil mulheres). Em seguida vêm as que têm entre 20 e 29 anos (15,2% ou 244 mil), praticamente empatadas com aquelas na faixa de 40 a 49 anos (243,5 mil).

Elas também são ainda mais chefes de família: 34,3% das mulheres soteropolitanas são apontadas como a responsáveis pelos domicílios onde vivem. Isso significa que 547 mil mulheres em Salvador são apontadas como responsáveis.

Em Salvador, em 2017, uma em cada três mulheres de 25 anos ou mais de idade tinham ensino superior completo ou incompleto (30,4% ou 340 mil mulheres nessa faixa etária), enquanto os homens com esse nível de instrução somavam 231 mil, o que representava 26,5% da população masculina de 25 anos ou mais de idade na capital.

A média de anos completos de estudo das mulheres de 25 anos ou mais de idade, em Salvador era 11,2 em 2017, frente a 10,8 dos homens – maior do que a média do estado.

“O próprio mercado de trabalho vai exigindo o aumento da escolaridade e as mulheres vêm buscando isso cada vez mais. A gente percebe que as mulheres vêm fazendo essa inversão e tendo mais escolaridade do que os homens, buscando espaço”, diz o gerente de planejamento e gestão do IBGE na Bahia, André Urpia.

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