Enterro noturno no Cemitério de Vila Formosa
O Brasil voltou a registrar ontem um dia com mais de 1.000 mortes pela covid-19. A rápida ascensão na curva de óbitos causada pelas infecções com a variante ômicron expõe uma série de erros em sequência que o país cometeu no controle da pandemia. Em janeiro, a média diária de mortes pela doença saltou 566%. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que, novamente, o Brasil deixou de cumprir o papel preventivo (mesmo sabendo antecipadamente da ômicron) e lida agora as consequências. Com hospitais cheios em vários estados, a tendência é que o número ainda suba mais pelo menos por alguns dias.
A bióloga e divulgadora científica Natália Pasternak diz que um erro marcante nessa terceira onda foi o menosprezo à capacidade letal da nova variante. “Erramos ao subestimar a ômicron e liberar as medidas preventivas muito rápido. Com uma cepa tão contagiosa, o momento era de cautela”, diz O discurso exageradamente otimista de que a ômicron era mais branda acabou gerando uma sensação de segurança para as pessoas; e mesmo ela sendo menos capaz de causar doença grave, dado o número de pessoas que ela infecta, era esperado que o impacto total fosse grave.”
Para o pesquisador Miguel Nicolelis, o Brasil confiou exageradamente também na vacinação, sem levar em conta que as coberturas atingidas seriam incapazes de deter uma nova tragédia. “Acreditamos que era só vacinar, mesmo não tendo vacinado gente suficiente com a segunda dose. As pessoas acharam que estavam liberadas. Não houve uma comunicação nacional, nem estratégia para alertar dos riscos reais, dizer que a ômicron escapa às duas doses”, relata.
Nicolelis diz ainda que o país seguiu cometendo os mesmos erros das outras ondas. “Mantivemos o espaço aéreo aberto, com pessoas de todo lugar. Além disso, não fizemos campanha e distribuição de máscaras que efetivamente funcionam”, completa.
O professor em saúde pública da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Alcides Miranda lembra ainda que, apesar das taxas não serem as ideais, não fosse a vacinação de boa parte da população, estaríamos vivendo uma tragédia sem precedentes no país. “Não fora a cobertura vacinal já alcançada, estaríamos lidando com uma catástrofe e o inevitável colapso dos serviços de saúde”, comenta. Para ele, os erros de agora não são muito diferentes das outras ondas. “Lamentavelmente mantivemos os erros, mesmo com os avisos de que era um momento para cautela e ver como exemplo o que estava ocorrendo na Europa, onde houve uma flexibilização prematura”, diz.
A professora titular em epidemiologia da UFC (Universidade Federal do Ceará) e presidente do 11º Congresso de Epidemiologia da Abrasco, Lígia Kerr, faz uma comparação do momento do país com o final dos anos de 1920, quando o mundo ainda enfrentava a pandemia da gripe espanhola. “A maioria das histórias sobre esta gripe diz que ela terminou no verão de 1919, quando uma terceira onda de contágio respiratório finalmente diminuiu. No entanto, o vírus continuou a matar e, em 1920, surgiu uma nova variante. Nos Estados Unidos, em várias grandes cidades, as mortes por esta variante chegaram a superar as mortes ocorridas na segunda onda. Mas as pessoas cansaram da influenza, e o poder público foi ficando sem forças para impor mais restrições”, diz, comparando com o momento atual. Apesar de muitos pesquisadores e jornais –tanto agora, como naquela época– estarem cheios de notícias assustadoras sobre o vírus, todos reduziram as medidas de precaução”.Lígia Kerr, epidemiologista Por fim, ela ainda faz uma previsão de que ainda estamos em momento de ascensão. “Infelizmente, os números de casos e óbitos devem continuar aumentando por mais algum tempo antes de estabilizar e reduzir. Isto tudo, se não houver uma variante pior, como aconteceu com a influenza, em 1920”, avalia.
Fonte: Uol