Gregório José*
Algo está no ar. Um cheiro de retrocesso, de desmonte, de improvisação irresponsável. O governo federal acena com a possibilidade de extinguir a obrigatoriedade de formação em autoescolas para condutores de veículos no Brasil. A proposta? Liberar o cidadão para aprender a dirigir com instrutores autônomos, via ensino a distância, por vídeos, livros ou apostilas. Como se fosse possível simular no papel o susto de um cruzamento mal sinalizado. Como se fosse possível treinar o reflexo diante de um caminhão que avança o sinal, pela tela de um celular.
É necessário perguntar: a quem isso interessa? E mais importante — quem vai pagar a conta?
O Brasil já possui um dos trânsitos mais violentos do planeta. Em 2023, foram quase 35 mil mortos nas ruas e estradas do país. Uma cifra estarrecedora. Uma guerra silenciosa que se repete todos os anos. E, ainda assim, ao invés de ampliar a formação, reforçar a qualificação e valorizar a educação no trânsito, caminha-se na direção oposta: o desmonte da formação básica, o estímulo à informalidade e, na prática, a institucionalização da negligência.
O trânsito brasileiro é feito de curvas fechadas, ruas mal sinalizadas, buracos, pressa, falta de respeito e, muitas vezes, total ausência de empatia. É um espaço onde a habilidade técnica e o conhecimento das regras podem significar a diferença entre a vida e a tragédia. Ensinar a dirigir exige mais que boas intenções. Exige método, prática supervisionada, vivência em situações reais.
Substituir isso por apostilas baratas é um tiro no para-brisa.
Querem reduzir custos? Façam auditoria nas autoescolas. Modernizem os currículos. Aumentem a fiscalização contra fraudes. Mas não joguem a formação de condutores no colo do improviso. Não se brinca com o trânsito. Cada motociclista mal treinado é uma ambulância a caminho. Cada motorista sem preparo é uma estatística anunciada.
Por trás da medida populista, o que há é uma perigosa simplificação de um problema complexo. Numa sociedade onde reina a imprudência, retirar a exigência de ensino formal é abandonar o cidadão à própria sorte. É fazer da direção uma roleta-russa.
Se é verdade que algo está no ar, que se diga com clareza: não é modernização — é descaso. Não é liberdade — é abandono. Não é economia — é tragédia anunciada.
A vida no trânsito brasileiro já é um milagre diário. Não precisamos de mais imprudência oficializada. Precisamos de responsabilidade.
* Jornalista, radialista, filósofo. Pós Graduado em Gestão Escolar. Pós Graduado em Ciências Políticas. Pós Graduado em Mediação e Conciliação. MBA em Gestão Pública
“Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal Hoje em Dia”.
Fonte: Hoje em Dia