Prof. Dr. Seu João Xavier*
De que você tem medo? Essa é uma pergunta cuja resposta é praticamente impossível de adivinhar, mesmo quando conhecemos profundamente a pessoa a quem a dirigimos. Fiz o teste entre meus familiares e constatei isso. Ouvi desde o pavor de insetos até o medo de perder pessoas queridas, passando por violências sociais e reprovação na autoescola.
Quando adolescente, eu tinha pavor de filmes de terror. O que hoje para mim é um hilário Brinquedo Assassino ou um cômico Arraste-me para o Inferno, antes, eram capazes de me fazer perder o sono na hora de dormir. Agora, assisto a esses filmes para dar uns pulinhos de susto e, logo depois, cair na gargalhada. O efeito é quase tão potente quanto uma boa comédia.
Foi em um deles, inclusive, que ouvi uma frase inesperada, saída justamente da boca de um espírito maligno, mas muito sábio, que atormentava os hóspedes de uma pousada: “Medo e fé são a mesma coisa”. Pronto, o filme acabou para mim ali. Fiquei ruminando a frase. Quanto mais refletia, menos prestava atenção na tela e mais em mim mesmo. Sabe aquela sensação de descobrir que duas celebridades são irmãs e você jamais desconfiaria? Foi exatamente o que senti ao saber que Gretchen e Sula Miranda pertencem à mesma família.
Pois é, medo e fé também são irmãos. Têm a mesma origem, mas resultados bem diferentes. O medo paralisa, prende no lugar, silencia a voz e cria alucinações de perigo onde muitas vezes ele sequer existe, como costuma acontecer em alguns filmes de terror.
Ele rouba o sono ou o povoa com pesadelos. Dizem que o medo é racional e protege, mas a que custo? Ele traz ansiedade, inquietação e expectativas sombrias sobre o futuro. Alimenta sustos, desencadeia decisões precipitadas e pode se espalhar como doença, contaminando o ambiente. Para mim, os efeitos colaterais de temer são mais graves do que essa suposta proteção.
A fé, por sua vez, impulsiona. É ela que faz dar o próximo passo, mesmo quando o terreno parece incerto. A fé abre caminhos, cria novas rotas, permite dormir em paz e sonhar com conquistas. Foi ela que me encorajou a prestar aquele concurso público com noventa candidatos para uma única vaga, e me disse que bastava acreditar que ela poderia ser minha.
A fé protege contra a desesperança e consola quando as coisas não saem como planejamos, lembrando que a hora certa vai chegar. Não vou fingir que não tenho muitos medos. Claro que tenho. Medo de ficar estagnado em uma versão desatualizada de mim mesmo; de não assumir minha voz e as minhas opiniões intrusivas. Preocupo-me com a necessidade de reconhecer as faltas que sinto como sujeito e a coragem de bancar os desejos que elas provocam.
Mas também tenho fé — e talvez seja ela que equilibre tudo. Fé em dias melhores. No poder da arte para libertar. Da educação como força capaz de nos transformar em pessoas mais humanas. Fé no meu primeiro passo e na certeza de que o segundo me sustentará.
Aqui, a pergunta inicial retorna metamorfoseada: Você tem medo em quê?
* Professor efetivo do Departamento de Linguagens e Tecnologia do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Linguista e Sociólogo – Mestre em Linguística Aplicada (UFMG) e Doutor em Estudos de Linguagens (Cefet-MG)
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Fonte: Hoje em Dia