Criadores de conteúdo abandonam o setor devido à baixa remuneração

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“Jogador de futebol”, “professor” e “astronauta” eram algumas das recordistas de respostas para a pergunta “o que você quer ser quando crescer?”. Nos tempos atuais, uma resposta lidera esse ranking. Sete em cada dez jovens sonham em se tornar criadores de conteúdo online, de acordo com pesquisa da consultoria Edelman Data & Intelligence, realizada no ano passado.

Apesar da carreira de produção de vídeos, fotos e textos para as redes sociais ter ganhado o imaginário profissional dos jovens, influenciadores digitais consolidados no mercado têm desistido da área. Fatores como baixa remuneração, ausência de regulação e falta de profissionalismo nas contratações têm levado criadores baianos a migrar para o mundo corporativo.

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Marttinha Fonseca

Marttinha Fonseca|  Foto: Divulgação

A jornalista baiana Marttinha Fonseca, 35 anos, cria conteúdo online desde 2011. Já trabalhou com marcas como Shopping da Bahia, Claro e Magazine Luiza e tem mais de 80 mil seguidores no Instagram, rede social onde possui presença mais forte. No início deste mês, ela anunciou que está se candidatando para vagas em empresas pela primeira vez na carreira.

“Quando comecei meu processo de transição, eu não tinha feito um currículo na vida. Um privilégio. Justamente porque comecei o blog quando eu estava na faculdade”, conta Marttinha. A jornalista testemunhou a mudança no mercado na última década: “Ninguém sabia o que era ser blogueira”. Segundo ela, era preciso explicar às marcas o impacto do trabalho dos influenciadores.

Gabriel Bonfim, proprietário da agência Bando

Gabriel Bonfim, proprietário da agência Bando|  Foto: Uendel Galter | Ag. A Tarde


Sócio da agência Grupo Bando, que representa influenciadores, atores e modelos em campanhas publicitárias desde 2017, o profissional de comunicação e marketing Gabriel Bonfim atesta que o mercado mudou. “As marcas começaram a perceber que se tratava de uma mídia que trazia consigo a possiblidade de falar com as pessoas a partir do endosso do criador”, explica Gabriel.

Analista do Sebrae, Cristiane Serra elenca alguns benefícios que as empresas têm buscado ao contratar influenciadores para divulgação do negócio. São eles: crescimento da visibilidade da marca, aumento da credibilidade da empresa, alcance de novos públicos, engajamento nas redes sociais e conexão pessoal com os clientes.

Segundo Gabriel, a pandemia de Covid-19 potencializou o “marketing de influência”, ou seja, a contratação de influenciadores por empresas para divulgação de serviços e produtos. Isso porque, com o isolamento social, a comunicação digital foi uma solução. Com isso, o número de influenciadores, diz Gabriel, cresceu exponencialmente, e a concorrência ficou mais acirrada.

Marttinha acrescenta que os criadores de conteúdo sofrem com a explosão de influenciadores que trabalham por permuta de produtos e serviços ou que não seguem as orientações das empresas. “Isso gera frustração nas marcas”, diz a jornalista. “Não é um mercado regulado, não tem sindicato, não tem tabela, não tem orientação”, destaca.

A estimativa da pesquisa Edelman Data & Intelligence é que o Brasil tem cerca de 20 milhões de pessoas trabalhando como criadoras de conteúdo online. Antes mesmo desse crescimento motivado pela pandemia, a gerente de marketing baiana Vanessa Ventura, 32 anos, abandonou o perfil que manteve no Instagram entre 2014 e 2018.

Para Vanessa, a falta de retorno financeiro pesou na decisão. “Nunca fiz publicidade com grandes valores, todos os meus trabalhos foram com marcas pequenas, regionais”, diz. Para a gerente de marketing, trabalhar fora do eixo Rio-São Paulo e ser uma influenciadora negra atravancaram o crescimento do perfil. “Existia uma ‘cota’ para criadoras não brancas subirem na carreira”.

Gabriel, da agência Grupo Bando, afirma que ainda é preciso pressionar as marcas por representatividade preta, LGBTQIAPN+ e nordestina. Segundo ele, o mercado baiano ainda está em “processo de aprendizado” e, como relata Vanessa, tem cachês baixos. “É preciso ser notado pelas marcas nacionais, porque a concentração das maiores verbas publicitárias está no Sudeste”.

Durante os quatro anos que manteve o perfil no Instagram, sobre cuidados com a pele e o cabelo, Vanessa trabalhou como redatora publicitária para empresas. Não era possível, diz ela, viver exclusivamente da renda como influenciadora. Já Marttinha conseguiu trabalhar somente com a criação de conteúdo, mas também sentiu o impacto de estar fora do eixo Rio-São Paulo.

Segundo a jornalista, há uma discrepância de valores entre São Paulo e Salvador. Para exemplificar, ela citou um trabalho para O Boticário em que ela orçou a participação dela em R$ 2 mil e uma agência paulista sugeriu que ela cobrasse em torno de R$ 15 mil. O maior valor que a influenciadora conseguiu em 13 anos foi de R$ 5 mil mensais para ser embaixadora de uma marca.

Para aumentar a renda, além da produção de publicidade para as empresas, os influenciadores têm vendido cursos online, e-books e outros produtos digitais, chamados de “infoprodutos”. A analista do Sebrae Cristiane Serra também destaca como meios de monetização para a profissão a oferta de palestras e mentorias e a participação em eventos em troca de cachês.

Em reforço à perspectiva de Marttinha, Cristiane orienta os criadores de conteúdo online que procuram o Sebrae a buscar a profissionalização. “Um influenciador digital precisa ter uma visão empreendedora para enxergar o seu trabalho como uma empresa”. Além da criação de conteúdo, é preciso, portanto, se atentar a outras áreas, como administrativa, financeira e comercial.

Profissionalismo

À frente de uma agência de marketing digital, Gabriel lida com influenciadores baianos constantemente e sente falta de profissionalismo tanto por parte deles quanto dos contratantes. “Estamos falando de uma profissão difícil, concorrida e que só terá êxito quem conseguir ter um motivo que o ajude a vencer as adversidades que vão surgir”, explica o profissional.

Do lado das empresas que procuram os influenciadores, elabora Gabriel, é preciso que elas ofereçam liberdade criativa aos contratados para que a comunicação com a base de seguidores deles funcione. “Sem limitá-los e sem usá-los como atrizes e atores para falar um roteiro criado por uma agência de forma fria e distante”, completa.

Apesar de reconhecer a importância dos contratantes na profissionalização da carreira dos influenciadores, Gabriel pontua que já há uma perspectiva de produção de conteúdo pago pelos criadores, o que viabilizaria negócios sem a necessidade tão latente das propagandas. “Publicidade é só um pedaço da verba e não dá para comportar todo mundo”.

Marttinha também percebeu essa saturação: “Tem muita gente fazendo conteúdo e não tem publicidade para todo mundo”. Por ora, ela pretende continuar na produção nas redes sociais, mas já começou o processo de transição para a carreira corporativa. “Estou confiante, porque as empresas querem estar nas redes sociais, mas a galera que está lá nunca sentou e fez, nunca construiu comunidade [online]. Eu tenho essa experiência”.

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