De uma pipoca com 50 pessoas a um fenômeno do Carnaval: conheça a trajetória da BaianaSystem

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Domingo, 4 de fevereiro, a Barra parece pequena para a multidão que segue a BaianaSystem no Furdunço. No meio da pipoca, o geógrafo e percussionista Max Dial’Meida, de 39 anos, calculava umas 500 mil pessoas ali. Especulou 15 tripulantes do Navio Pirata se espremendo em cada metro quadrado. Uma Barra lotada, daquele jeito que o folião tira o pé do chão com medo de não achar lugar pra pisar na volta. Na abertura do Carnaval, na Praça Castro Alves (vídeo abaixo), mais uma multidão atrás do Navio Pirata. Do alto do trio, os acordes da guitarra de Beto Barreto e o chamado potente de Russo Passapusso movem os foliões. Os corpos se mexem num ritmo alucinante, todo mundo parece sintonizado numa mesma energia, uma espécie de transe coletivo. Nesta segunda-feira (12), tem mais. Baiana desfila no Campo Grande e leva Margareth Menezes, Larissa Luz, Vandal e Melly para sacudir o chão da praça.

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“Sou amigo de Beto, conheço os meninos e outros caras que já iam atrás da BaianaSystem, outros músicos que também fizeram acontecer o que a banda ia se tornar hoje, o que representa para o Carnaval. Antes, só saíam na madrugada. Depois, passou a ser o primeiro da fila. Saía 14h, debaixo do maior sol, só ia quem gostava da música alternativa. Começaram por uma via totalmente diferente, era uma coisa mais instrumental e quem não conhecia achava estranho”, recorda Max Dial´Meida. Na época daquela pipoca, que ele conta que era composta por uns “gatos pingados”, nem o percursionista imaginava que a BaianaSystem fosse ser essa potência no cenário musical e, nem mesmo, que faria tanta diferença no Carnaval baiano.

BaianaSystem chega aos 15 anos como um fenômeno da música baiana que arrasta uma legião de fãs. O Navio Pirata entrou no seu décimo Carnaval navegando num mar de gente. O próprio Beto Barreto confessa que não esperava tanto. “Foi uma crescente que a gente não imaginava o alcance que isso passou a ter, mas eu penso muito nessa construção do comportamento em relação ao Carnaval, em relação ao Navio Pirata”, disse, em entrevista ao Terra. Em uma publicação no Instagram, o guitarrista também comemorou essa década. “Mais um ano do Navio Pirata. O ano dez. Uma década de construção de um comportamento que pode ser resumido no chamado de Russo Passapusso de ‘é só amor'”.

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(Beto Barreto e Russo Passapusso)

O fenômeno musical que a Baiana se tornou fica visível a cada apresentação. As músicas, ao mesmo tempo, trazem letras politizadas, convidam à dança, mas dispensam qualquer coreografia. Os corpos respondem ao chamado e se movem, como se fossem uma orquestra, seguindo no mesmo ritmo. É algo indescritível. Não adianta um amigo contar, ou assistir aos vídeos, só entende desse êxtase quem vai atrás da pipoca da Baiana. Quem bem sabe disso é a musicista e professora de yoga, Priscila Rios, de 39 anos. Morando na Austrália há dez anos, a baiana já conhecia o trabalho da banda que buscou novas possibilidades para a guitarra baiana, mas nunca tinha ido a uma apresentação. Nesse Carnaval, ela viveu a pipoca do Baiana e, por mais que tente, não consegue encontrar palavras pra dimensionar a experiência. 

“Há dez anos eu não participava do Carnaval baiano, não vivia essa experiência de estar ali, no meio, pulando ao redor do trio, com uma multidão como aquela. Não consigo explicar o que foi aquilo. O que eles estão fazendo é sério, é incrível estar aqui só para viver essa experiência. Teve uma hora em que eles tocaram pro vento e eu meditei. Me senti segura de fazer aquilo, fechei os olhos e me entreguei. Foi incrível”, descreve Priscila. Para ela, o Carnaval brasileiro é negro e a banda veio para mudar esse protagonismo de que é o Axé que manda na festa. “A BaianaSystem exerce a política dentro da folia, de uma forma bem alternativa, irreverente e com riqueza musical”, avalia Priscila.

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Para a jornalista e pesquisadora musical, Julli Rodrigues, o fenômeno BaianaSystem pode ser explicado por vários aspectos. “Acredito que, por um lado, tem a qualidade musical deles, no sentido de agregarem influências muito diversas, do sound system, da cultura negra em diversos âmbitos. Essa questão das texturas eletrônicas misturadas também com ritmos latinos. O olhar para a América Latina é uma questão muito importante no trabalho da BaianaSystem e também o olhar para a própria Bahia, como se fosse uma grande conexão afrodiaspórica que, ao mesmo tempo, está conectada com o que se faz hoje. É como se fosse um olhar para o passado e para o presente ao mesmo tempo, estabelecendo uma conexão muito fluida entre esses elementos. É a ancestralidade, mas é também o futuro”, justifica.

Secretário de Cultura e Turismo de Salvador, o agitador cultural Pedro Tourinho reforça essa característica da banda, de se voltar para o futuro, mas sem se desprender do passado, das suas raízes. “BaianaSystem representa a nova geração que bebe das fontes das raízes, e do original aparentemente esquecido, a guitarra baiana. Faz um som novo, conectado com histórias e afetos de toda uma população”, avalia. Nesse aspecto, a pesquisadora Julli Rodrigues lembra que um dos álbuns da Baiana foi intitulado “O futuro não demora”. Para ela, desde que surgiu, Baiana já estava trazendo uma visão de afrofuturismo, para além do olhar para a ancestralidade. “O olhar também para o futuro da cultura negra, dos novos modos de fazer, de criar, de produzir. Eu diria que esse sucesso tem a ver com esse caldeirão de referências e com esse olhar para o passado e para o futuro. Sempre muito atualizado com o que se faz em Salvador, com o que se faz na Bahia, porém construindo de uma maneira própria”, ressalta.

É justamente por unir tudo isso que a Baiana é única. É nessa pipoca que o folião vai encontrar uma roda que do nada se abre no meio da multidão. Depois de viver a experiência, a musicista Priscila Rios vai voltar para a Austrália entendendo todas as sensações que essa pipoca provoca. Uma roda que traduz muito o espírito de coletividade que a banda prega. Segundo Julli Rodrigues, BaianaSystem sempre incentivou uma ideia de coletividade, a soma de uma energia coletiva. “Tem essa coisa da roda, que já existia no Carnaval de Salvador, e que foi reapropriada para esse contexto, pra combinar com essa ideia de coletividade e também o discurso de Russo, de sempre incentivar o amor e a positividade. É uma roda em que está todo mundo curtindo, se empurrando, mas não existe nenhum tipo de violência, pelo menos, não intencionalmente. A banda não incentiva esse tipo de coisa. A força da coletividade também ajuda a explicar o sucesso da BaianaSystem, de envolver todo mundo ao redor de uma mesma energia e de um mesmo ideal”, pontua.

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O percurssionista Max Dial’Meida acompanha a banda desde a época em que ainda não havia a tradição da famosa roda, o bate cabeça. Para ele, BaianaSystem se tornou algo muito pop e, ao mesmo tempo, imprescindível. “A música em si era algo totalmente underground, com elementos da música jamaicana, da guitarra baiana, da música eletrônica. Os elementos que compõem a música deles causam um arrepio. Faz a galera ir ao delírio mesmo. No meu tempo não tinha isso de roda, nem público para isso tinha, mas os caras são geniais. Se não fosse a BaianaSystem, o Carnaval não seria hoje o que é o Carnaval”, avalia o percurssionista Max Dial´Meida.

Considerado um dos mais famosos técnicos de som do Brasil, Vavá Furquim traduz Baiana, em um comentário em publicação feita por Beto, como uma luz no Carnaval da Bahia. A cantora Luedji Luna endossa: “O que vocês fazem é especial e necessário”. Já Márcia Castro define a pipoca da Baiana como uma “catarse abolsoluta”. Até Ivete se rendeu. Em uma publicação da própria banda, a cantora, que também participou do encontro de trios na Castro Alves, elogia: “Vocês são um movimento, um deslumbramento, uma força”.  Se ainda restam dúvidas do que é essa “Máquina de Louco”, vai uma definição do músico Jonga Lima: “BaianaSystem é a Bahia gigante e multicultural”.

https://www.youtube.com/embed/oSOAYWHDbUYOnde tem Baiana?
Segunda-feira (12): no circuito Osmar (Campo Grande), é a oitava atração a desfilar
Terça-feira (13): no palco Pelourinho e tem Vandal como convidado

* Por Perla Ribeiro. Fotos: Ana Albuquerque, Jardel Souza, Joka/Secom e Jefferson Peixoto/Alô Alô Bahia.

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